EFCB

Estrada de Ferro Central do Brasil

 

 

A ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL

Por christoffer Raimundo

 

Elementos formadores e a conquista da Serra do Mar

 

    Os elementos formadores da história da Estrada de Ferro Central do Brasil encontram-se bastante dispersos através dos muitos períodos de progressão por ela atravessados em sua longa existência sesquicentenária. Somam-se em escala demasiadamente grande para poderem ser resumidos. Vamos passá-los por alto, lembrando como sua vida legal surgiu no remoto ano de 1855, decorrendo dos seguintes atos do Governo Imperial:

1.º - Contrato celebrado a 9 de Fevereiro, com Edward Price, para a construção da Primeira Secção;
2.º - Decreto n.º 1.598, no dia 9 de Maio, ordenando cometer a execução do contrato a uma companhia organizada na Côrte, e dando instruções para o funcionamento da comissão encarregada da distribuição das ações;
3.º - Decreto n.º 1.599, da mesma data, aprovando os estatutos da Companhia;
4.º - Contrato de 10 de Maio, com a Companhia, para construção, uso e custeio da Estrada.

    Organizou-se então, a “Companhia de Estrada de Ferro D. Pedro II”, sob a direção do engenheiro e político mineiro Christiano Benecdito Ottoni (considerado o Pai das Estradas de Ferro do Brasil), com o capital inicial de 38 mil Contos de Réis. Propunha-se a Empresa a construir uma estrada de ferro, que, atravessando alguns municípios localizados nas proximidades da Côrte (atual cidade do Rio de Janeiro), alcançasse o vale do rio Paraíba do Sul e daí as províncias de São Paulo, no lugar denominado Porto Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), e Minas Gerais. Nessa última província, seguiria a Estrada pelo vale do rio das Velhas até o rio São Francisco, onde se entroncaria com o sistema fluvial, unindo o Sul ao Norte do Império.

    Os trabalhos da construção foram iniciados no dia 11 de Junho de 1855 e em menos de três anos depois, no dia 29 de Março de 1858, foi inaugurado com festividades o tráfego até a Vila de Queimados. O trecho cobria 32 milhas inglesas, ou seja, 48,210 quilômetros, e abrangia cinco estações: Campo (atual Central), Engenho Novo, Cascadura, Maxambomba (atual Nova Iguaçú) e Queimados. Meses depois, no dia 8 de Novembro, foi inaugurado mais um trecho de 13 quilômetros e a ponta dos trilhos chegou a Belém (atual Japeri), na raiz da serra, de onde foi lançado o Ramal de Macacos (atual Paracambi), concluído em 1.º de Agosto de 1861.

    Nesse mesmo ano, iniciaram-se os trabalhos para a subida da Serra do Mar, sendo que as duas primeiras milhas ficaram prontas justamente com aquele ramal. O trecho até Rodeio (atual Paulo de Frontin) foi terminado no dia 12 de Julho de 1863, e o Vale do Paraíba, por fim, atingido no ano seguinte, em 1864, com a chegada do primeiro trem de passageiros a Barra do Piraí, no dia 9 de Agosto.

    É interessante ressaltar a forma de subida da Serra do Mar: Em simples aderência, sem a utilização de engenhosos porém ineficientes sistemas de planos inclinados ou de cremalheira comparados àquele. É importante transcrever as magníficas palavras de Ottoni: "Eu não construo Estrada para o Brasil de hoje, mas para o Brasil do futuro. Não podemos dividir os trens. É preciso que os trens que correm na baixada galguem a Serra para correr no planalto, senão, não haverá desenvolvimento econômico possível para as províncias de Minas e de São Paulo." Tão magnífica foi a obra com suas pontes e túneis (destacando-se o Túnel Grande com 2.238m), que mesmo com os avanços da engenharia  na época da duplicação da linha da serra do mar, pouco depois que a estrada completara mais de 50 anos, que muito pouco foi preciso mudar para melhorar o traçado.

    Em contrapartida, devido aos elevados custos da construção da linha na década de 1860, o caixa da empresa foi prejudicado. Porém ao menos foi deixado um traçado muito bom, contribuindo para os futuros prolongamentos da Ferrovia, para o desenvolvimento do país e que ainda é muito utilizado nos dias atuais.

    Vencida a difícil transposição da serra do Mar, e alcançada a meta de Barra do Piraí, a partir dessa localidade a linha se bifurcaria; um ramo, que passou a se chamar Linha do Centro, seguiu o curso inferior do rio Paraíba, em direção a Entre Rios (atual Três Rios); e outro, depois denominado Ramal de São Paulo, rumou para o Porto de Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), então ponto terminal da navegação fluvial do Paraíba em território paulista, que era possível desde Jacareí.

    Em 1865, a Estrada já contava com 133 quilômetros que atingira em Desengano (atual Barão de Juparanã, distrito do município de Valença), passando quilômetros antes pela zona rural de Vassouras, município dos maiores financiadores e principais responsáveis pela existência e criação da ferrovia quando empresa privada. Na região de Vassouras proliferavam prósperas lavouras cafeeiras. A zona onde plantava-se café, incluindo a região de Vassouras, basicamente ia desde Entre Rios-RJ, até Mogi das Cruzes-SP. Nesse ano, porém, a Companhia entrou em grave crise financeira e o governo, para salvar o patrimônio acumulado e defender o interesse da região onde seus trilhos se encontravam, resolveu encampá-la indenizando-a de todas despesas efetuadas pelos acionistas. É interessante ressaltar que o Governo Imperial era o maior acionista da Empresa por conta dos diversos aportes de capital, e por ser o fiador de empréstimos bancários da Companhia.

 

Rumo ao sertão das Gerais - A Linha do Centro

 

    Os trabalhos de prolongamento, mesmo com a encampação, não esmoreceram. Dois anos depois, em 1867, a linha no dia 5 de Maio alcançava Ubá (atual Andrade Pinto, distrito de Vassouras), Paraíba do Sul no dia 11 de Agosto, e chegava a Entre Rios (atual Três Rios), no dia 13 de Outubro, encontrando-se com a estrada de rodagem União e Indústria, inaugurada em 1861 e que ia desde Petrópolis até Juiz de Fora. O Barão de Mauá, lutou a todo custo para que a D. Pedro II não chegasse a Entre Rios, pois prejudicaria, como prejudicou, os interesses da sua E. F. Mauá.

    Com a ponta dos trilhos em Entre Rios, completara a "D. Pedro II" 197 quilômetros e logo foi feito o prolongamento até Pôrto Novo do Cunha, sendo inauguradas as secções até Santa Fé e Chiador no dia 27 de Junho de 1869; até Sapucaia no dia 20 de Janeiro de 1871, e Ouro Fino, Conceição e Pôrto Novo, no dia 6 de Agosto de 1871, que ficou sendo o ponto final do ramal.

    Porém a partir de Entre Rios as obras continuaram na direção do Rio das Velhas pelo Vale do Paraibuna, para alcançar Juiz de Fora, a 275 km da Côrte. Em 1874, os trilhos atingiam Serraria e Paraibuna no dia 10 de Setembro. Em 1875 alcançavam Sobragy, Matias Barbosa, Cedofeita e Retiro. Juiz de Fora fora alcançada no dia 31 de Outubro. A extensão total em tráfego, a essa altura, somava 502 quilômetros.

    A linha progrediu de Juiz de Fora para Santos Dumont chegando ali em 1877, Barbacena em 1880 e Queluz de Minas (atual Conselheiro Lafaiete) em 1883. Ali terminava a bitola larga e daí em diante se iniciava a bitola métrica, avançando depois pelo vale do rio das Velhas.

    Em 1.º de Janeiro de 1888 era inaugurado o Ramal de Ouro Preto em bitola métrica, depois chamado de Ramal de Ponte Nova, que saía da estação de São Julião (atual Miguel Burnier) que havia sido alcançada em 1887, entre Queluz de Minas e Itabirito. O ramal foi construído pela E. F. D. Pedro II para interligar por via férrea a então capital mineira. Posteriormente, em 1914 a linha chegou a Mariana, e por fim a Ponte Nova em 1926, interligando-se assim com a linha da Leopoldina que já havia chegado a Ponte Nova em 1886.

    Os trilhos ao chegarem a General Carneiro em 1895 (já como Central do Brasil), bipartiram-se por novos ramais que foram buscar Belo Horizonte (alcançada também em 1895), de um lado, e Sete Lagoas, de outro, e continuaram apontando para o sertão que adormecia distante. A atual capital mineira ainda encontrava-se em construção, sendo inaugurada apenas em 1897. A bitola larga da Central que só chegava até Conselheiro Lafaiete, com a construção da Variante do Paraopeba em 1920, alcançou Belo Horizonte, e em projetos futuros, estender-se-ia até Belém do Pará.

    Em 1896, Sete Lagoas foi alcançada; em 1905 a linha chegou a Curvelo, em 1906 a Corinto, onde foram lançados outros dois ramais. O primeiro deles, o de Pirapora, na margem direita do Rio São Francisco, alcançada em 1910, e depois avançando 7 quilômetros à frente alcançando Buritizeiro em 1922, de onde se pretendia chegar até Belém do Pará, promovendo e ratificando ainda mais sua situação de Ferrovia de Integração Nacional. Infelizmente o trecho de Buritizeiro até Belém, apesar de ter os trabalhos iniciados, não se realizou, mas nos dias atuais, a Ferrovia Norte - Sul pretende seguir um projeto parecido, de integrar o Norte e o Sul do país por trilhos, isso mais de 80 anos depois do projeto da Central.

    O outro ramal, o de Diamantina, foi concluído em 1914, pela então Estrada de Ferro Vitória a Minas, e em 1923 foi transferido para a Central. Seguindo de Corinto, pela linha do Centro, a linha avançou para Montes Claros, atingida em 1926.

    Acompanhando as necessidades da expansão econômica das regiões atravessadas por suas linhas, a Estrada chegou em 10 de Setembro de 1947, até Monte Azul, situada no interior do Estado de Minas Gerais, nos limites com a Bahia, estabelecendo assim a ligação entre regiões de povoações esparsas de potencial produtivo. Anos depois a Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, que possuía seu ponto inicial em Salvador - BA, encontrou-se com a Central em Monte Azul em 1950, interligando desta forma o Nordeste ao Sudeste do País por vias férreas.

    Essas primeiras ligações foram realizadas com grandes sacrifícios de toda ordem, pois os recursos financeiros nem sempre se apresentavam em proporções adequadas. A exploração industrial do tráfego exigia um trabalho penoso para as possibilidades então existentes.

    Feitos os prolongamentos em bitola estreita de 1 metro, com grande economia, os traçados nem sempre obedeciam às melhores condições técnicas, mas isso não impediu que nos anos seguintes, fossem introduzidos melhoramentos em tais traçados para que se apresentassem em situação bem aceitáveis para a expansão econômica que se operava nessas regiões.

    As modestas condições das primitivas linhas de penetração, com o passar do tempo receberam continuados melhoramentos, sendo substituídos os gastos trilhos por outro tipo de maior peso, diminuídos os intervalos dos dormentes, que tiveram aumentadas as dimensões, reforçadas ou substituídas as primitivas pontes de madeira, construídas instalações adequadas para o pessoal, oficinas e estações, etc.

 

A linha para São Paulo

 

    A Secção de São Paulo teve sua construção iniciada em 1870, e no dia 25 de Março de 1871 eram inauguradas as extensões que cobriam Volta Redonda e Barra Mansa. Antes da construção desta Secção, foi utilizada por um tempo a navegação do rio Paraíba, desde Boa Vista (atual Engenheiro Passos no município de Resende), até Barra do Piraí, onde a "D. Pedro II" havia chegado em 1864, escoando desta maneira as safras de café da região até a chegada do trem anos depois.

    De etapa em etapa, sem esmorecimento, as pontas dos trilhos da antiga "D. Pedro II" foram ganhando distância ano a ano. Chegaram a Resende, Campo Belo (atual Itatiaia) e Boa Vista (próximo à divisa estadual com São Paulo) em 1873, Queluz e Lavrinhas em 1874.  Em 20 de Julho de 1875 foi finalmente atingida Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), que ainda fazia parte do município de Lorena, emancipando-se desta pouco tempo depois.

    A princípio, na época do projeto da Secção de São Paulo da "D. Pedro II", previa-se a utilização da navegação do rio Paraíba do Sul, podendo ser atingida assim a cidade de Jacareí a partir de Cachoeira, e que por esse motivo seria o ponto terminal da linha. Isso acabou não agradando os cafeicultores do Vale do Paraíba paulista, que se movimentaram e criaram a Companhia São Paulo e Rio de Janeiro para se interligar com a "D. Pedro II". Em 1877, a ligação São Paulo - Rio foi completada com a inauguração de toda extensão da São Paulo e Rio de Janeiro com bitola de 1 metro.

    Com a Proclamação da República, por Aviso do Governo Provisório, a partir de 22 de Novembro de 1889 a "D. Pedro II" passou a denominar-se "Estrada de Ferro Central do Brasil".

    Seus trens atingiram São Paulo quando, em 1891, foi-lhe incorporada a extensão que se formara como Companhia São Paulo e Rio de Janeiro, que partia de São Paulo na Estação do Norte, e chegava até Cachoeira, onde se entroncava com a "D. Pedro II". A São Paulo e Rio de Janeiro foi  encampada para assegurar o tráfego na zona atravessada por ela. Foi assim efetuado o alargamento do trecho desde Cachoeira até São Paulo, iniciado em 1896 e concluído em 1908, eliminando a onerosa baldeação em Cachoeira e promovendo a ligação Rio de Janeiro a São Paulo em bitola única, já que a quebra de bitola era um inconveniente muito grande nesta ligação.

    Dessa forma, a Central completou o feito de ligar os 3 mais importantes Estados brasileiros, 2 capitais (Belo Horizonte e São Paulo) e a Capital Federal (Rio de Janeiro). Mas há também de se levar em conta que com a criação do Estado da Guanabara, a Central passou a ligar os 4 mais importantes Estados brasileiros. Por um curto período de tempo, foi repassado um pequeno trecho da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro à Central, e com isso, adentrando no Estado da Bahia, ficou esta abrangendo 5 Estados brasileiros.

 

O início da decadência

 

    Com o correr dos anos, a velha "D. Pedro II" foi lançando ramais, criando novas estações, incorporando outras linhas, duplicando trechos nas proximidades da Côrte, e adotando melhoramentos que a transformaria, mais depressa do que era contado, em um dos grandes veículos de desenvolvimento da economia nacional, com suas linhas levando progresso ao interior das antigas Províncias onde os vilarejos se transformavam em cidades à passagem de seus trilhos. Entre 1876 e 1880 foi construído o ramal de Sapopemba (atual Deodoro) a Santa Cruz e Matadouro, nas imediações da Côrte.

     Em 1885 o transporte de café atingiu o pico de 172 mil toneladas. A partir deste ano, a região cafeeira, principalmente a parte fluminense do Vale começou a entrar em declínio, entrando em colapso em 1888 com a Abolição da Escravatura.

    A política de encampação de estradas de ferro falidas e deficitárias do Governo Federal, acabou prejudicando bastante a Central, pois algumas delas foram incorporadas à Central. Muitas vezes os lucros auferidos nas linhas principais eram consumidos pelos ramais deficitários. Fizeram parte da lista dessas linhas encampadas e ramais, a Linha Auxiliar, a E. F. União Valenciana, a E. F. Rio das Flores, E. F. Rio d'Ouro, E. F. Teresópolis, E. F. Maricá, Ramal de Piquete, Ramal de Bananal, Ramal de Lima Duarte, Ramal de Diamantina, Ramal de Piranga, Ramal de Nova Era. Alguns destes citados possuíam boas receitas, mas a maior parte, dava grandes déficits, sendo que só sobraram nos dias atuais, o Ramal de Nova Era, utilizado e repassado para a Estrada de Ferro Vitória a Minas, o Ramal de Ponte Nova com tráfego suspenso, parte da Linha Auxiliar desde Alfredo Maia até Três Rios, com boa parte do trecho com tráfego suspenso, inclusive a linha da Serra do Mar sem túneis construída por Paulo de Frontin, e parte da E. F. Rio d'Ouro remodelada e servindo para transportes suburbanos. O trecho de Três Rios até Pôrto Novo, teve sua bitola reduzida para 1 metro e foi posteriormente repassado à Leopoldina.

    Mesmo com os contratempos citados, uma rápida apreciação da Central do Brasil, como pioneira das ferrovias brasileiras, mostra uma conversa com continuada orientação progressista, sob o aspecto industrial e administrativo, e de relevante papel na vida política e social de uma grande parcela da população do país. Ela ensejou soluções arrojadas de problemas de caráter técnico e econômico - financeiro.

    As estradas de ferro não podem parar em sua evolução industrial, e, se algumas vezes, fatores de ordem geral, naturais à economia dos povos, perturbam a regularidade do fornecimento de recursos financeiros às empresas ferroviárias, proporcionado às suas necessidades ordinárias, os programas dessa evolução são reduzidos em sua execução, mas logo deveriam ser retomados quando as condições permitissem.

    A Central do Brasil desenvolveu, nos seus anos de vida, um vasto programa de recuperação industrial, onde os pontos capitais assentavam, inicialmente, em grandes transformações nos traçados de vários trechos de suas linhas para que estas se adaptassem a um tráfego mais intenso, em volume de mercadorias transportadas e velocidade de escoamento dos trechos de passageiros.

    A tarefa imposta por esse programa foi atacada com variável força, o que retardou, por certa forma, a conclusão do conjunto, mas jamais deixou de estar em foco, podendo, oferecer a utilização vantajosa de muitas parcelas desses melhoramentos, aumentando o volume dos transportes e dando maior segurança e rapidez às relações dos clientes que procuraram os seus transportes.

    Notáveis e bem delineadas obras foram levadas a efeito no Ramal de São Paulo e em grandes trechos da Linha Centro; construção de novas pontes, túneis e grandes cortes e aterros, deram aos novos traçados condições para moderno tráfego de alta velocidade, em linhas bloqueadas com os mais garantidos sistemas de sinalização.

    No Ramal de São Paulo, foram construídas diversas linhas variantes, sendo a Variante do Parateí, uma das mais importantes dentre todas, pois passava por novas regiões e afastava-se muito do traçado original. Com ela, foi eliminado o grande gargalo da Central em São Paulo: a Serra de Guararema, que com suas condições difíceis de traçado, chegando ao absurdo de 2% de declividade (quase o mesmo declive da Serra do Mar no Rio de Janeiro!), fazia com que os trens de carga fossem divididos, aumentando o custeio da Estrada.

    A tração elétrica, por sua vez, recebeu, grande impulso com a eletrificação na década de 30 e com o posterior reaparelhamento das antigas linhas suburbanas do Rio de Janeiro, de São Paulo e Belo Horizonte. Vultosas foram as despesas com essas obras de reaparelhagem e readaptações de antigas instalações, mas era indispensável atacar, com energia, o problema dos transportes suburbanos das grandes metrópoles.

    No panorama ferroviário do país, a Central do Brasil ocupava uma situação ímpar. Não o dizemos nós, apenas. Afirmam-no os algarismos da própria Rede Ferroviária Federal a cujo sistema ela pertencia.

    Em 1957 – acusaram as estatísticas então publicadas, essa grande Estrada realizou quase a metade, ou seja, 43,6% do tráfego de cargas de todas as estradas da Rede; 27,5% do transporte de passageiros do interior, e 61% do relativo a passageiros de subúrbio. Possuía 23,6% de suas locomotivas a vapor; 51.3% das locomotivas Diesel; 26,3% das locomotivas elétricas; 35,2% dos carros de passageiros e 27,7% dos vagões.

    Nesse mesmo ano, produziu 52% do trabalho total das estradas da Rede Ferroviária. No ano seguinte, sua situação não foi muito diferente. Realizou 3.200 milhões de toneladas km líquidas de carga geral, o que correspondeu à 3,22 vezes mais que a segunda colocada. Totalizou, só ela 47% da carga geral de um conjunto de 16 estradas que formavam a Rede.

    Mas vamos deixar essa apreciação para outra oportunidade. O que cumpre ressaltar, agora, é o papel da Central do Brasil como pioneira de todos os progressos ferroviários do país. Em seus labores diários, desde muitos anos, encontravam-se os mais eloqüentes exemplos de progresso técnico, de aperfeiçoamento, enfim, de todos os recursos capazes de concorrer para um sistema operacional de transporte que ela apresenta sem par em qualquer outra estrada de ferro nacional.

 

A Região

    Estendendo suas linhas pelo antigo Distrito Federal, depois transformado no Estado da Guanabara e hoje Cidade do Rio de Janeiro, pelos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, a Central do Brasil atendeu a região de maior densidade demográfica e mais industrializada do país. É certo que isso não ocorreu em toda sua extensão. Em grande parte do Sertão de Minas Gerais, e em alguns ramais mais próximos, as zonas careciam mesmo de muita assistência para incrementarem a produção, mas isso não invalida a afirmativa.

    Ligando o Rio de Janeiro à São Paulo e Belo Horizonte, só esses ramos respondiam e ainda hoje respondem por um valor incomensurável. Em seus percursos localizam-se as maiores indústrias do Vale do Paraíba – entre as quais a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, em Volta Redonda, e a do minério, no Paraopeba. Isso, sem citar a produção das três grandes capitais e muitas cidades de apreciável expressão comercial e industrial como Juiz de Fora, Taubaté, São José dos Campos, Mogi das Cruzes e outras cujo intercâmbio de mercadorias era naturalmente grande. Essas regiões concorriam para a economia brasileira com 40% da produção mineral e 53% da produção agrícola. Detinham 69% da mão de obra industrial e contribuíam com 81% dos impostos federais.

    Também por ser muito povoada a região percorrida, o movimento que a Estrada efetuava relativamente a passageiros apresentava grandes índices. No que se refere à subúrbios, então, ultrapassava o razoável. No Estado da Guanabara, suas composições elétricas movimentavam, mais de 600.000 pessoas a cada 24 horas, e na década de 80, chegaram a transportar mais de 1.000.000 de pessoas diariamente; nos subúrbios de São Paulo na época, cerca de 130.000, e um bom número também em Belo Horizonte.

    Percorrendo tão grandes extensões que se alongavam, até as margens do Rio São Francisco, Diamantina e Monte Azul, essa última quase no limite com o Estado da Bahia, sem falar na infinidade de ramais que constituíam uma verdadeira teia de trilhos buscando outros pontos extremos em toda a região de sua chamada Linha Auxiliar, e em Lima Duarte, Mercês, Ponte Nova, Nova Era, etc., e atendendo como atendia a todas as regiões que seus trens percorriam realizando os transportes que iam ter as suas estações, a Central do Brasil, apresentou-se como a maior e mais importante empresa de transporte sobre trilhos entre tantas quantas cobrem e cobriam o território nacional.

 

A Linha

    Em 1960, possuía 3.733 quilômetros de linhas, assim distribuídos segundo as três bitolas que a constituíam:

Bitola

Km

1,60m

1564,70

1,00m

1966,90

Mista

201,40

Soma Total:

3733 km

    Foi uma das maiores redes, consideradas as unidades de operação separadamente. Em extensão, só perdia para a Rede Mineira de Viação que media 3.989 quilômetros, e para a Viação Férrea Rio Grande do Sul, que media 3.735, superando-a apenas em 2 quilômetros. Essa diferença, aliás, sendo desprezível e podendo mesmo decorrer de algum engano de planta ou de levantamento, a linha da Central ocuparia o lugar da segunda mais longa de nossas estradas de ferro.

    Geograficamente, ela foi constituída por um grande tronco entre as Estações D. Pedro II, no Rio de Janeiro, e Monte Azul, em Minas Gerais, por vários ramais – alguns dos quais de alta expressão ferroviária e econômica, e por duas subsidiárias, as chamadas “Linha Auxiliar” e “Rio d'Ouro”, que serviam aos subúrbios na cidade do Rio de Janeiro e ainda se estendiam pelo Estado do Rio.

    Considerada sob o aspecto das duas bitolas normais, a larga era uma boa linha. Estendeu-se entre Rio, Belo Horizonte e São Paulo, inclusive seus movimentados subúrbios, e recebeu inúmeras benfeitorias, quanto à renovação de 640 quilômetros dos quais 598 haviam sido atendidos até o ano de 1959, com trilhos de 57 kg/m.

    Quanto à bitola estreita, abrangeu toda a rede compreendida em território mineiro, a Linha Auxiliar e a Rio d'Ouro. Possuiu trilhos de diversos tipos que vão desde o de 50kg/m até 34 e 20. Também foi renovada com trilhos de 37 kg/m, onde eles existiam abaixo desse peso, mas com menos intensidade.

 

O que sobrou da Central nos dias atuais

 

    A Central começou a morrer quando foi criada a Rede Ferroviária Federal, pela Lei n.º 3.115 de 16 de Março de 1957. Com o passar dos anos, ela foi perdendo sua identidade, suas linhas deficitárias começaram a ser erradicadas, e outras segmentadas passando a fazer parte de outros sistemas.

    Atualmente, os sistemas suburbanos que foram parte da Central, funcionam de forma separada.  Os Subúrbios da Central em São Paulo, hoje fazem parte da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM, os do Rio de Janeiro, englobaram também parte da antiga malha da Estrada de Ferro Leopoldina e fazem parte da Supervia.

    O antigo sistema de passageiros de longo percurso da Central, que possuía como expoentes os trens Santa Cruz, Vera Cruz, "trem dos Baianos", DP, Expressinho, Barrinha, dentre outros, passaram pelo início de um processo de erradicação a partir da década de setenta, com as freqüências sendo reduzidas até o momento em que foi definitivamente erradicado no início da década de noventa. O último expoente dos trens de passageiros nas linhas da Central foi erradicado em 1998 na forma do Trem de Prata, que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro.

    A antiga malha da Central foi segmentada em duas partes: A linha de bitola larga, e a de bitola métrica. A linha de bitola larga, está arrendada à MRS Logística SA, com suas linhas indo desde a região metropolitana de Belo Horizonte, até o porto do Rio de Janeiro, ao de Sepetiba e também à Ilha Guaíba em Mangaratiba. De Barra do Piraí, parte a Linha de São Paulo, que vai desde esta cidade até Manuel Feio, bairro de Itaquaquecetuba, limite com a CPTM. Em Barra Mansa, parte a Ferrovia do Aço, inaugurada há quase 20 anos para facilitar o escoamento das jazidas minerais do estado de Minas, passando por Bom Jardim de Minas, onde está localizado o maior túnel da América Latina, com seus mais de 8 quilômetros de extensão. Passa também por Jeceaba, Brumadinho e chega à região metropolitana de Belo Horizonte. Em Jeceaba há a ligação com Conselheiro Lafaiete, na antiga linha do Centro. A MRS arrendou também as linhas da antiga E. F. Santos - Jundiaí em São Paulo.

    Já a antiga linha de bitola métrica da Central, foi arrendada à FCA - Ferrovia Centro Atlântica, que opera em Minas, Bahia, Rio, Espírito Santo e São Paulo. O trecho pertencente à Central entre o Rio de Janeiro e Paraíba do Sul, da antiga Linha Auxiliar, foi abandonado à sua própria sorte pela FCA, que tenta devolvê-lo ao Governo Federal. O detalhe, é que o trecho foi arrendado operacional, e hoje encontra-se totalmente inoperante, com diversos quilômetros de trilhos furtados, com enorme prejuízo para o patrimônio público. O mesmo aconteceu com o antigo Ramal de Ponte Nova. Ainda encontra-se operacional o trecho entre Belo Horizonte e Monte Azul, ligação estratégica com a Bahia, e a ligação entre Belo Horizonte e Nova Era, utilizado pela Vale, dona da FCA.

 

O trecho entre São José e Mogi (antiga Linha Tronco)

    Parte do trecho da antiga Linha Tronco da Central, está desativado há anos. Este trecho é compreendido entre São José dos Campos, de onde parte a Variante do Parateí, até São Silvestre. O trecho entre César de Souza e São Silvestre, distrito de Jacareí, quase foi devolvido para o Governo Federal, juntamente com o trecho anteriormente citado, mas acabou sendo utilizado pela MRS para transportes da VCP - Votorantim Celulose e Papel. Atualmente é utilizado para transportar Celulose para exportação via Porto de Santos e para transportar eucaliptos para a fábrica. O trecho entre São Silvestre e Campo Grande foi requerido pela ANPF para a operação de seu Trem Turístico, e a ligação entre Campo Grande, via centro de Jacareí à São José dos Campos, está em processo de devolução ao Governo Federal pela MRS, e lamentavelmente, foi em parte utilizado irregularmente pelas prefeituras de Jacareí e São José dos Campos para a construção de anéis viários.

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

 

BUZELIN, José Emílio de Castro H. & COELHO, Eduardo J. J. & SETTI, João Bosco; MRS Logística SA, A Ferrovia de Minas, Rio e São Paulo. Memória do Trem, 2002.

BUZELIN, José Emílio de Castro H. & SETTI, João Bosco; Ferrovia Centro - Atlântica: Uma Ferrovia e Suas Raízes. Memória do Trem, 2001.

DAVID, Eduardo Gonçalves; A Ferrovia e Sua História: Estrada de Ferro Central do Brasil. Rio de Janeiro: AENFER, 1998.

EL-KAREH, Almir Chaiban; Filha Branca de Mãe Preta: A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II - 1855-1865, Petrópolis: Vozes, 1980.

FIGUEIRA, Manuel Fernandes. Memória Histórica da Estrada de Ferro Central do Brasil. Imprensa Nacional, 1908.

VASCONCELOS, Max; Vias Brasileiras de Comunicação. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 6.ª ed., 1947.

Estradas de Ferro do Brasil; Rio de Janeiro: Suplemento da Revista Ferroviária, 1960.

Revista Ferrovia

Revista Ferroviária

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

    Este texto parte de uma transcrição do Suplemento da Revista Ferroviária. Ele foi utilizado como texto-base, sendo adaptado, atualizado e modificado, com a ajuda de outras referências. Teve também vários parágrafos e informações adicionadas. Trata-se de um pequeno esboço de um breve histórico da Central, e está aberto à críticas e sugestões.

    Para saber mais sobre esta magnífica ferrovia, sugerimos você conhecer os livros acima citados. Segue abaixo também uma pequena lista de links para você conhecer mais sobre a Central.

Estrada de Ferro São Paulo - Rio de Janeiro

A História nos Trilhos

EFCB - Site sobre a E. F. Central do Brasil - Ainda em Construção

A Eletrificação da Central do Brasil, por Antônio Augusto Gorni

Álbum Fotográfico das Ferrovias Brasileiras, por Antônio Augusto Gorni

Memória do Trem

VFCO - Informativo Centro Oeste

Revista Ferroviária - Seção de Preservação

 

Sobre o autor:

 

    Christoffer R. dedica-se ao estudo e pesquisa da Estrada de Ferro Central do Brasil. Além disso, colabora esporadicamente com a ANPF, onde foi o webmaster responsável pela criação de seu primeiro site.
    Como pesquisador, participa com diversos trabalhos neste site, seja de autoria própria, como "Os Subúrbios Paulistas - I", "A Central transporta Diamante", seja organizando textos de outros autores, como na série "O Sesquicentenário da Ferrovia no Brasil", ou em "A História nos Trilhos".

 

ATENÇÃO: SE NECESSITAR UTILIZAR ESTE TEXTO, FAVOR ENTRAR EM CONTATO, CITAR SEMPRE OS DEVIDOS CRÉDITOS, BIBLIOGRAFIA E O ENDEREÇO DO SITE DA ANPF.

 

 

 

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